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A Ausência de União Entre os Povos de Axé - Fábio Seabra

Por Fábio Seabra
Imagens Fábio Seabra

Percebo que hoje em dia, muitos dos militantes das religiões de matrizes africanas reclamam a ausência de união entre os povos de Axé, ou seja, as casas de Candomblé e Umbanda. Reclamam da vaidade, do orgulho, da cobiça, inveja, ignorância, falta de cultura, desrespeito às tradições, e por aí vai... Será que “DESUNIÃO” é um fator novo em nosso grupo?

Em um rico e belo texto que li há pouco tempo, encontrei passagens que me fizeram refletir e por isso me senti à vontade para escrever. Proponho analisarmos algumas questões e, para começar, falaremos da origem da palavra “candomblé”.

“A palavra Candomblé possui dois significados entre os pesquisadores: Candomblé seria uma modificação fonética de "Candonbé", um tipo de atabaque usado pelos negros de Angola; ou ainda, viria de "Candonbidé", que quer dizer "ato de louvar, pedir por alguém ou por alguma coisa", em Bantú.

Como forma complementar de culto, a palavra Candomblé passou a definir a reunião litúrgica de cada tribo ou região africana no Brasil. Exemplo:
Candomblé da Nação Ketu
Candomblé da Nação Jeje
Candomblé da Nação Angola
Candomblé da Nação Congo
Candomblé da Nação Muxicongo
Candomblé da Nação Efan

Vamos esclarecer alguns pontos: É sabido que, na própria África, havia uma política Teocrata, onde, em nome de suas divindades, subjugava-se, matava-se, escravizava-se e criavam-se justificativas através da religião para se deter o poder. Esse fato fazia parte do formato adotado pelas relações sociopolíticas dos povos africanos e dessa maneira se vivia, “muito bem, obrigado”, até que chegaram os Europeus e perceberam que poderiam tirar proveito de tal situação. Começa aí, a escravização dos povos africanos fora da África. 

Sim, pois em solo negro, entre muitas tribos, quando havia uma disputa, fosse por território ou qualquer outro motivo, aquele que perdesse a contenda era subjugado ao vencedor, porém com certa dignidade, onde respeitavam-se as características sociais e religiosas dos derrotados, diferentemente da escravização em “terra brasilis”. Observado isso pelos portugueses, um filão comercial foi percebido. Pensavam eles: 'Faço um trato com as tribos mais fortes, as que mais conquistam disputas, e levo seus escravos para a Europa e também, mais tarde, para o Novo Mundo.'

E assim foi! Povos mais frágeis, menos aguerridos e mais servis vieram parar aqui no Brasil, e mais tarde, aqueles que escravizavam seus vizinhos mais vulneráveis também aportaram como escravos nas Américas. Esse grupo que chegou depois, por ser mais forte, acaba por sofrer mais atrocidades que o primeiro, por ser menos submisso e mais orgulhoso. Sentia-se traído pelos “brancos”.

Nesse ponto perceberam que todos os negros estavam, em parte, na mesma condição de escravo. Eram todos iguais aos olhos dos que aqui viviam e impossibilitava o poder, todos vulneráveis àquela situação, independentemente de sua realidade e condição social, política ou econômica na Pátria Mãe. Cabe ressaltar que quando essa conscientização se deu, já havia em solo brasileiro, alguns africanos vindos da Europa, alforriados e ricos, até com título de nobreza. 

Ressalto esse fato porque esses negros não queriam ser comparados aos escravos. Sentiam-se superiores por suas posições, títulos e prestígio conquistados e também por facilitarem o tráfico negreiro. Eles, muitas vezes, possuíam como seus cativos, os próprios irmãos de origem. Nessa elite negra, muitos tiveram destaque por suas habilidades com a terra, cultivo e se tornaram respeitados, por isso não queriam retroagir em sua escalada social. Deixavam claras as diferenças entre os negros em ascensão e os negros reles escravos.  Ilusão a deles, pois a classe dominante branca, só os usava de acordo com suas necessidades, mas continuavam a enxergá-los dissimuladamente, como simples negros.

Visto todos esses fatores, muito se perdia a cada dia da origem e da dignidade dos povos vindos da África.

Em torno do início do século XIX, alguns negros reuniam-se para estabelecer um formato sociocultural que preservasse as tradições africanas aqui no Brasil, segundo estudiosos, mais especificamente na cidade de São Salvador – Estado da Bahia. O motivo principal desta reunião era estabelecer um culto africanista no Brasil a fim de preservar o "culto a orixá", já que os negros que aqui chegavam eram batizados na Igreja Católica e obrigados a praticarem o cristianismo. Essa seria uma forma de manter acesa a chama da cultura original africana.

Porém, como praticar um culto de origem tribal, numa terra distante?

Fizeram uma fusão de várias mitologias, dogmas e liturgias africanas e adaptaram as condições da época. Adaptaram comidas sagradas, adaptaram liturgia, adaptaram roupas, cores, proibições, etc. Este culto, no Brasil, teria que ser similar ao culto praticado na África. Digo SIMILAR onde o principal quesito para se ingressar em seus mistérios seria a iniciação. 

Enquanto na África esse rito é feito, muitas vezes, em plena floresta, na praça da tribo, ou em lugares públicos, no Brasil foi estabelecida uma mini-África, ou seja, a casa de culto possui todos os deuses africanos juntos, fossem Orixás, Voduns, Nkisis,... E assim, foi institucionalizado o CANDOMBLÉ, com todas as suas particularidades, peculiaridades e nuances, enfim, uma religião brasileira. 

Com o passar do tempo a palavra ‘Candomblé’ foi aceita e passou a definir um conjunto de cultos vindos de diversas regiões africanas.” Isso só acontece aqui em nosso país, ao contrário da Origem, onde cada divindade está ligada a uma localidade, cidade, estado ou região; por exemplo, Xangô em Oyó, Oxum em Ijexá e Ijebu e assim por diante.


Com o passar do tempo, alguns negros foram conquistando destaque por seus conhecimentos nos mistérios do oculto e por prestarem favores, nesse âmbito, para personalidades brancas e por isso eram favorecidos. Para que se conservasse o conquistado e de forma individual, os mistérios foram estabelecidos! O “eu sei mais que o outro”, “meu axé tem mais fundamentos”, “fulano não foi iniciado adequadamente”, entre outras expressões, vem de uma questão simples, a auto-preservação. 

Sim! Como vimos anteriormente, houve muita luta para se conquistar um pequeno espaço na sociedade brasileira, e que foi obtido através dos “favores” concedidos aos da classe dominante por meio do pseudoconhecimento do culto ao sobrenatural. Então, para se preservar e não perder espaço na sociedade branca abastada, um negro vilipendiava o outro na esperança de se manter no poder. E é assim até hoje. Por isso somos uma classe desunida e frágil, sujeita à intervenção de quem quer que seja. Somos fracos! Pensamos sempre em benefício próprio ou de nossa casta. 

Se queremos nos manter como uma religião que, de fato, é voltada ao bem comum, forte, não submissa e sem preconceitos, devemos nos unir independente  de “nação”, pseudotradições, pseudomistérios, pseudoproibições. Devemos nos unir a favor da nossa preservação, respeitar nossas diferenças e parar de apontar o dedo na direção daqueles que queremos inferiorizar. 

Como dito anteriormente nesse texto, isso é uma coisa cultural e arraigada a uma história, porém, os tempos são outros. O mundo mudou e nossa cultura estagnou sobre muitos aspectos.

Sugiro que frequentemos o axé do nosso irmão, que colaboremos uns com os outros, como foi no início de tudo. Aí sim, teremos força através da hegemonia, no apoio mútuo. Antes de qualquer crítica, reflita sobre. Precisamos abrir nossas mentes e casas para os que não nos conhecem poder conhecer. Enquanto ficarmos presos a preceitos sem lógica, estaremos fadados à extinção.




Fábio Seabra é Designer, formado em Marketing e pós-graduado em Gestão de Pessoas. 












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